terça-feira, 5 de junho de 2012

O HOMEM DE DOIS MUNDOS


            Em uma aula no Templo, em julho de 1976,  Tia Neiva contou esta história, que foi intitulada “O Homem de Dois Mundos”:

         Eram altas horas da madrugada quando consegui me desdobrar, pelo mesmo mecanismo habitual que me coloca ao lado de Mãe Tildes ou de Amanto. Esse é um fato muito original - para mim comum: a maneira como caminho, sem outras preocupações, sem noção do tempo, apenas reconhecendo os lugares por onde ando. Sei como funcionam as coisas, certas horas com uma luz, outras vezes com outra iluminação, sempre guiada pelas vibrações de Capela. Assim, fui caminhando, até que encontrei o que procurava: o quadro de Marcondes: lá estava ele, em uma mansão, com numerosa família, na maior tranqüilidade. Chegamos perto e ele imediatamente me reconheceu.
         - Oh, irmã Neiva! - exclamou - Que bom vê-la aqui!
         - Já o mandei embora, Tia Neiva - disse uma senhora de seus quarenta anos.
         - Eu sei, minha senhora. Sou clarividente e ainda vivo na Terra.
         Eles, então, se aproximaram para nos receber e Marcondes exclamou:
         - Oh, minha doce Mãe Tildes, a senhora que já é uma serva de Deus, tenha misericórdia de mim, alivie o meu sofrimento na Terra! Acabe com isso de uma vez!... Aproveite que minha matéria já está cancerosa.
         - Pobre Marcondes! - disse Mãe Tildes - Vai, meu filho, volta para o teu suplício pois ainda não terminastes a tua pena...`
         Mãe Tildes se voltou para a senhora e disse:
         - Ora por ele, minha filha. Mais alguns meses e ele estará junto a vocês.
         Marcondes partiu para a Terra, sob nossos olhares consternados, e, em seguida, entramos na linda mansão. Logo a simpática senhora nos deixou à vontade, conservando-se tranqüila, e me disse:
         - Pois é, Tia Neiva, nós viemos do Engenho Velho. Mãe Tildes nos conhece bem, pois fomos vizinhas naquela feliz encarnação.
         Mãe Tildes acenou para mim, confirmando o que a senhora dizia. E esta continuou:
         - Naquele tempo, Marcondes era um senhor de engenho e lá recebemos, em nosso lar, dezesseis filhos, todos filhos espirituais! Ah, como foi maravilhoso! Imagine, Tia, que todos eles haviam sido, em encarnações anteriores, Vikings! Eles eram tremendos, meu Deus! Eram tão cheios de caprichos, tão sanguinários... Mas a feliz oportunidade junto a Marcondes, num lar cheio de amor, tornou possível  transformar aqueles terríveis Vikings em Cavaleiros de Oxosse!
         - A propósito, - perguntei - onde estão eles agora?
         - Eles agora são Cavaleiros, estão integrados na nova organização de São Sebastião. Cinco eram mulheres que se integraram em outras falanges, junto às suas almas gêmeas. Porém, esta mansão continua sendo o nosso lar.
         - E por quê - perguntei - o Marcondes continua na Terra e tão desnorteado?
         - Não, ele não está desnorteado. Ele está lá porque pediu a Deus. Depois que ele estava aqui, no seio da família, viu um grande erro seu, cometido na encarnação do Engenho Velho. Na Terra, nas nossas preocupações, esquecemos de analisar os outros, que também são nossos cobradores e precisam de nós, de nossa grande riqueza. Assim aconteceu com a gente. Quando partimos dos planos espirituais, todos haviam nos avisado que nossas dívidas eram muitas e que a cobrança seria grande. Havíamos pedido demais, diziam. De fato, assim foi, mas, graças ao nosso amor, conseguimos tudo que vosmeceis estais vendo.
         - Mas - atalhei eu - se tudo saiu tão bem, por que Marcondes teve que reencarnar?
         - Porque quando ele se encontrou aqui, um espírito livre das amarras da Terra, ele viu tudo o que fez, mas, também, viu tudo que não havia feito! Pediu, então, para voltar e Deus, com seus Ministros,  concedeu-lhe esta prova, ou melhor, esta missão que ele está cumprindo.
         - Sim, - disse eu - mas, afinal, o que é que ele deixou de fazer?
         - Marcondes, no Engenho Velho, não tinha clemência com os menos afortunados da sociedade. Ele sempre pisava naqueles que ele achava estarem errados. Ele se arvorava em juiz do povoado! Oh, meu Deus! Ainda me lembro de Judith, uma viúva cujos filhos eram ladrões e viciados. Certa vez , uma filha dela, casada, foi espancada pelo marido, devido a um roubo que havia cometido.  Marcondes foi implacável e violento com a pobre mulher. E assim foi, também, com os outros filhos da pobre viúva. Quando aqui chegamos, Marcondes viu que eles haviam desencarnado mas iriam retornar à Terra. Pediu, então, para voltar, e hoje ele está casado com a antiga viúva do Engenho Velho. Naquela época, ela também tinha dezesseis filhos, mas agora, ao casar com Marcondes para o reajuste, somente alguns deles nasceram do casal, inclusive aquela que Marcondes havia maltratado por causa do roubo, no tempo do Engenho Velho.  Hoje, ela é sua filha e, por caprichos do destino, casou-se com o mesmo homem que foi seu marido naquela época.
         Enquanto a mulher falava eu, de repente, comecei a rir de mim mesma... Mãe Tildes voltou-se para mim, com ar de censura, e me interpelou por minha atitude aparentemente de galhofa. Eu então expliquei que estava rindo de mim mesma, porque, desde o dia em que conhecera aquela família ela nunca mais me dera sossego! Imaginem que Marcondes havia me procurado em Taguatinga, justamente porque seu genro havia dado uma surra em sua filha - por incrível que pareça - por motivos de um roubo! Desta vez, porém, Marcondes agira de forma bem diferente daquela do Engenho Velho: agiu com toda a paciência, fê-la se reconciliar com o marido, e tudo acabou em paz. Hoje, o casal está muito feliz, inclusive freqüentando nosso Templo. A mesma atitude ele teve com os outros filhos do casal, todos sendo bem encaminhados. Faz cinco anos que eu acompanho esta família! Apesar disso, Judith não o deixava sossegado. Ela era um desses espíritos que costumamos chamar de “sem procedência”.  Percebi que nossa visita estava chegando ao fim. A senhora, com olhar que implorava, suplicou:
         - Ajude-o, Tia! Ajude-nos, pois, enquanto ele viver, essa mulher irá lhe cobrar. Sei que, no plano físico, a senhora poderá fazer muita coisa. Ajude-nos!
         - Oh, meu Deus! - exclamei - Dê-me forças... Estou tão doente!...
         - Não, minha irmã, - disse ela - não desanime. Jesus e Pai Seta Branca precisam da senhora!
         Mãe Tildes e eu dissemos “Salve Deus!” e partimos. Passamos pela Torre de Marcela e vimos que estava chegando muita gente nova da Terra. Vimos os  Mensageiros se preparando para socorrer os flagelados de uma grande enchente que estava ocorrendo em um lugar do Brasil. Isso fez com que me lembrasse de outros necessitados, e me apressei em ir para minha cabala, onde fui manipular forças de desobsessão. Despertei com Gertrudes me chamando:
         - Madrinha... Madrinha... Acorde! Está lá fora uma filha do seu Marcondes, que veio buscá-la. Ele está muito mal!
         Entrei na vida física mas não me desliguei dos quadros que vira. E, assim, fui até o hospital São Vicente, onde Marcondes estava internado. Olhei para aquele homem, que poucas horas antes me falava, com  toda firmeza, no plano etérico. Vi que ele não se lembrava de coisa alguma. A cobrança era perfeita! Judith entrou no quarto do doente e, tão pronto me viu, foi logo falando:
         - Olha, irmã Neiva. este homem está aqui de teimoso. Como é teimoso e pirracento! O pior é que vai acabar morrendo e me deixando na pior, sem dinheiro e sem nada!
         Ele, cheio de dores, levantou a cabeça, muito submisso, e disse:
         - Oh, benzinho, não é bem assim... Isso não é um simples resfriado. Há muito tempo eu tenho esses caroços no pescoço.
         - Nada disso! - retorquiu ela - Isso começou nas pescarias e nas cachaçadas! Só depois que nós conhecemos esta santa mulher foi que você tomou vergonha!
         Nesse momento, o médico entrou. Acenei discretamente para ele e perguntei, sem que os outros ouvissem, qual era o diagnóstico de Marcondes.
         - Câncer. - foi a lacônica resposta - A senhora é parente dele?
         - Não, - respondi - sou apenas uma amiga. O meu nome é Neiva.
         - Ah, sim, a senhora é Tia Neiva! A senhora tem um orfanato aqui perto, não é?
         Confirmei com a cabeça e, não podendo mais suportar as pragas da mulher, fui para casa. Continuei com minhas consultas, atendi a muita gente, mas continuava desassossegada. Sabia que Marcondes morreria logo, mas o quadro permanecia o mesmo. Judith não parava de vociferar, enquanto as dores do paciente aumentavam de forma horrível. Essa situação durou até à libertação de todos os obsessores, até eles se encaminharem para Deus. Finalmente, Marcondes morreu. Depois disso, Judith passou a ser a mulher mais bondosa do mundo! Apesar de seus sessenta e cinco anos, casou-se outra vez. Passaram-se alguns anos e não tive mais notícias deles. Mudamo-nos para o Vale do Amanhecer. Os anos passaram e a vida continuou seu curso. Certo dia, eu estava no Templo, classificando os médiuns, quando vi Marcondes junto a uma jovem médium. Reconheci-o imediatamente e, surpresa, perguntei-lhe o que estava fazendo ali. Ele sorriu e, apontando para o lado, mostrou-me uma Preta Velha que também sorria. Reconheci, então, a senhora da mansão. Eles me explicaram que tinham vindo para falar comigo. Haviam pedido a Deus a oportunidade para ajudar no desenvolvimento dos médiuns. Marcondes falou:
         - É verdade, Tia, que não temos muito para dar, ainda não temos graças para isso. Porém, estamos felizes de, pelo menos, poder ajudar a abrir as incorporações. Graças a Deus, nossos filhos também estão aqui. Salve Deus!
         Comovida, mas atenta na minha clarividência, vi que a jovem médium, a quem eu iria classificar naquele momento, era um dos antigos espíritos, filhos de Judith, a viúva do Engenho Velho, uma moça que não nascera como filha do casal atual!

 Salve Deus!

- F I M -


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