A NOIVINHA DESENCARNADA
Era a tarde de um domingo quente de dezembro. No Templo do Amanhecer, os médiuns aguardam, pacientemente, a chegada de Tia Neiva, para sua costumeira aula. Os mestres e ninfas emitem mantras, e vão se harmonizando, mediunizando-se para que fiquem mais receptivos à palestra que irá se realizar daí a poucos minutos. A Clarividente chega, toma seu lugar no Radar, e segura o microfone. O silêncio é completo. Ela olha todos os médiuns e, sorridente, começa:
- Meus filhos, Salve Deus! Eu nem acabara de contar a vocês a estória do sargento recém desencarnado, quando ouvi uma voz chorosa que me chamava, no plano invisível. Olhei, e me deparei com uma jovem vestida de noiva, que segurava seu buqezinho de flores, com ar humilde e constrangido. Senti que meu coração se apertava e, solícita, indaguei o que ela queria de mim. Ela me olhou com o ar mais doce deste mundo, e me disse:
- Tia Neiva, meu nome é Maria Lúcia, e sou um espírito que teve a felicidade de passar aqui, pelo Templo do Amanhecer, depois de ter sofrido muito. Apresento-me assim, com meu vestido de noiva, porque foi como desencarnei. Ouvi a senhora contando a estória do sargento para seus médiuns, e gostaria muito de também contar a minha vida para a senhora e os médiuns do Vale.
Olhei para Mãe Yara, e ela fez sinal de que consentia. Vi, então, o quadro de Maria Lúcia, e percebi que, de fato, a estória dela iria servir muito para vocês. Convidei-a a vir hoje, e ela aqui está, do mesmo jeitinho que a vi a primeira vez: o vestido branco, o véu, o buqezinho e o corpinho esguio. Seu ar reflete um pouco de angústia, mas seu olhar, hoje, está firme. Ela está ansiosa para que vocês conheçam a estória de sua vida, Como vocês não podem vê-la nem ouvi-la, eu irei repassando o que ela me disser. Enquanto isso, Mãe Yara irá me ajudando a ilustrar os episódios com sua Doutrina.
- Meu nome é Maria Lúcia, – começou ela – e eu morava no Rio de Janeiro, junto com meus pais e meus irmãos. Éramos uma família modesta, mas eu gostava de andar em companhia de jovens de melhor situação social. Com isso, eu fazia meus pais sofrerem muito, pois vivia exigindo coisas muito além do que as que eles tinham condições de me proporcionar. Se não conseguia o que queria, saía de casa zangada, e ia para a casa de pessoas, que às vezes eu mal conhecia, e lá pousava.
Sempre que eles se cansavam desse jogo e deixavam de atender os meus caprichos, meu lar virava um campo de batalha. Por algum tempo, eles me proibiam de sair e barravam a entrada de meus amigos em nossa casa. Apesar de se tratar apenas de alguns desajustados, como eu, eles eram chamados, por meus pais e por meus vizinhos, de hippies. Nessas ocasiões eu sofria muito, pois minhas saídas tinham razões secretas, que só eu podia entender. De uma forma ou de outra, meus desatinos os foram levando à miséria. Por isso, tivemos que nos mudar para um bairro mais pobre, para uma casa mais pobre ainda. Pouco antes da mudança, fui abordada por dois “colegas”, já habituados com o meu comportamento, e saí com eles, permanecendo três dias fora de casa.
Só voltei quando o “fumo” acabou. Entrei, sorrindo desafiadora.
Na sala, deparei com meu mano mais velho conversando com um amigo, que depois soube chamar-se Marques. Fiquei um pouco indecisa, e percebi que meu irmão vacilava em me apresentar. Ficou claro que sentia vergonha de mim! Mas, mesmo sem sermos apresentados, Marques e eu ficamos nos olhando, com a sensação de que já nos conhecíamos há muito. Saímos daquele transe com a voz áspera de minha mãe, me dizendo, exaltada:
- Oh, sua cínica, desavergonhada! O que veio fazer aqui? Vem para o enterro de seu pai? Por sua causa, ele teve um ataque cardíaco, e está entre a vida e a morte!...
Fiquei envergonhada e, pelo olhar constrangido de Marques, senti que estava perdendo uma oportunidade de ser feliz.
- Meu pai! Foi tudo o que pude exclamar, e corri para o quarto dele.
Graças a Deus, ao me ver, sentiu-se mais aliviado e começou a reagir contra a doença. Com isso, me compenetrei que seu remédio era eu. Pobre papai! Pobre mamãe!
Marques continuou freqüentando minha casa, e logo começamos a namorar. Meus pais, esperançosos que eu me casasse e normalizasse minha vida, incentivavam o namoro. Mas não era preciso muito esforço da parte deles... Marques e eu éramos almas gêmeas, e nos amávamos muito. E assim, tudo foi se encaminhando para um desfecho feliz.
Estávamos numa fase da maior felicidade, quando meus velhos amigos hippies começaram a me procurar de novo. Eu, porém, me sentia muito segura junto ao Marques, e passei a hostilizar os velhos companheiros de infortúnio. Pensava comigo mesma: eles não passam de uns desajustados com seus pais, e eu tenho pais compreensivos, e não preciso deles!
Apesar de tudo, eu comecei a me sentir inquieta, não tinha paz. No íntimo, eu sabia que meu passado ainda iria me destruir, apesar da atitude que estava tomando.
Como que adivinhando minhas preocupações, Marques sempre me dizia:
- No dia em que você firmar o “papo” com esses caras, eu sumo da sua vida!
Com isso, minha paz diminuía, dia a dia.
Poucos dias antes da data marcada para o meu casamento, eles intensificaram o assédio. Um dia, eles apareceram quando eu conversava com Marques, na sala. Eu dizia, com veemência, que não queria assunto com eles, que fossem embora, que eu ia me casar... Eles apenas sorriam, com cinismo. Lucas, um jovem de ar agressivo, vestindo uma calça de pelúcia e um blusão de couro, passou o braço no meu pescoço, e disse:
- Que é isso, menina? Você está numa de casamento? Tá doidona?
Nesse exato momento, Marques assomou na soleira da porta! Eu, apavorada, desvencilhei-me de Lucas e fui ao seu encontro. Ele, porém, nem me deu tempo para explicações e, furioso, começou a gritar:
- Larguem dela! Vocês já fizeram muito mal a essa pobre menina! Ela, agora, é minha noiva! E eu sou bem diferente de vocês, ouviram? Não gosto do “papo” nem de “caras” como vocês!...
Eles saíram e eu, meio desorientada, acompanhei-os até a porta.
Voltei para a sala sentindo-me frustrada, com certo desespero, pensando comigo: Lucas e toda essa patota são gente boa. Eu não devia ter ficado parada, devia tê-los defendido da ira de Marques. Afinal, o que falta a eles é uma oportunidade como a que estou tendo!
E assim, o conflito começou no meu íntimo. Eu não parava de pensar neles e no que poderia ter acontecido. Cada vez os achava mais “bacanas” e assim, em meio à minha confusão, aproximou-se a data do nosso casamento.
Um dia, eu ia pela rua, indo fazer compras para completar meu enxoval, quando topei com a patota. Procurei mostrar-me cordial, expliquei o que estava fazendo, já que iria me casar em poucos dias. Eles, então, me deram uma grande vaia, e disseram que não faltariam ao meu casamento. Fiquei apavorada com a algazarra que fizeram, embora soubesse que estavam apenas brincando, e não o faziam por mal.
Mais tarde, ao encontrar-me com Marques, lembrei-me do incidente e chorei copiosamente em seu ombro. Sentia enorme arrependimento do que fizera, e roíam-me os maus presságios. Pensava comigo: Meu Deus, será que chegou a hora de pagar pelo que tenho feito a meus pais?
Nessa noite, tive um terrível pesadelo. Estava numa grande mansão, em companhia dos hippies. Lá fora, rugia forte tempestade, e eu sentia muito medo. De repente, ouvimos fortes batidas na porta. Eu sabia que era Marques, que viera me buscar, mas não fui abrir a porta.
Acordei, gritando apavorada, por minha mãe. Ela, me acariciando, explicou que eu havia somente sonhado. Disse-me, também, que ela e papai já me haviam perdoado por meus desatinos.
Desde aquela noite, minha angústia aumentou.
Minha relação com os hippies não era tão simples como parecia! Em nosso meio prevaleciam os traficantes de drogas, bandidos perigosos, que envolviam a gente, se aproveitando de nossas fraquezas e do desligamento de nossas famílias, para incentivar nossos vícios.
O domínio dessa gente é terrível! Suas vítimas, em geral, são meninos de bem, boas pessoas, que, apenas, têm seus desajustes com o meio em que vivem, com isso de tornando presas fáceis para esses malandros.
Não contei ao Marques o encontro que tivera com a turma. Sentia medo, mas me mantinha calada.
Um dia, estávamos sentados na calçada, em frente de casa, quando chegou a turma.
Marques olhou-os friamente, como se não os estivesse vendo.
Eles, brincando jocosamente, disseram que tinham vindo avisar que iriam comparecer ao nosso casamento!
Antes que eu ou Marques pudéssemos dizer alguma coisa, eles se foram.
Marques, visivelmente irritado, virou-se para mim e disse:
- Se eles aparecerem em nosso casamento, eu vou embora e nunca mais você vai saber notícias minhas!
Diante daquela ira, eu também me irritei e quase explodi. Mas temia chegar ao ponto em que Marques pensasse que estava arrependida de nosso noivado. Mas aquela cena, faltando apenas três dias para o casamento, foi horrível!
Afinal, chegou o dia almejado! A cerimônia foi linda, com a igreja toda decorada. Essa igreja ficava num outeiro, e o acesso era feito por uma comprida escadaria.
Saímos sorridentes e, nem emergimos, quando nos deparamos com o grupo, parado em frente à escadaria. Assim que nos viram, estouraram numa vaia deprimente!
Não pude deixar de registrar, com tristeza, a referência que fizeram ao meu vestido de noiva, levantando dúvidas quanto à minha pureza.
Na confusão que se seguiu, sem que eu notasse, Marques desapareceu!
Desolada, cheia de vergonha, fui levada para a casa de meus pais. Minha mãe tentava me consolar, mas eu estava certa de que Marques não tardaria a aparecer. Ela perguntou se eu queria ficar ali, com eles. Eu, porém, tentando aparentar uma calma que não tinha, disse-lhe que iria esperar Marques em casa, na nossa casinha! Ele, talvez, estivesse lá, me esperando.
Cheguei ao lar tão sonhado, mas encontrei-o vazio. Marques não estava lá.
Senti, então, que nada mais me restava neste mundo. Pensei em morrer, porém uma leve esperança ainda alimentava meu coração.
Comecei a ficar tonta. Recostei-me no sofá e, então, começaram as alucinações. Via e ouvia a turma, com suas risadas, os rapazes com suas barbas longas a roçarem em meu rosto, e com suas mãos quentes me acariciando... Invadiu-me estranha volúpia! Era tão intensa, que me senti impelida a correr para onde eles se achassem naquele momento!...
Em meio a essa verdadeira obsessão, permaneci zonza, meio acordada, meio dormindo, até que o dia amanheceu.
Despertei confusa, e a primeira coisa que me veio à mente foram as palavras de Marques:
- Sumirei de sua vida, e nunca mais você me verá!
Tomei, então, uma decisão. Tinha em minha bolsa algumas drogas. Manipulei uma dosagem e a ingeri. Tudo o que queria era fugir da realidade, de mim mesma, daquele pesadelo, e voltar para a casa de meus pais. Sabia que eles me aceitariam, como sempre me aceitaram. Confiava, a tal ponto, na paciência e no amor deles, que cheguei a pensar que seria melhor voltar para eles do que o retorno de Marques, que, com certeza, iria me maltratar. Meus pais nunca fariam tal coisa! Engoli as drogas pensando nisso, sem nenhuma intenção de morrer.
Oh, Tia, foi terrível! Comecei logo a “viajar”, porém, percebi de imediato que essa era completamente diferente das minhas costumeiras “viagens”!
Cheguei a uma cidade escura e deserta. Apavorada, procurei por alguém que pudesse me orientar, quando, subitamente, centenas de sinos começaram a tocar. Era sinos de todos os tamanhos, de diferentes sons, que tangiam adoidados! Minha cabeça já estava a ponto de estourar, quando vi um homem, vestido como um antigo romano, que se aproximou de mim. Seu olhar era bondoso, e disse chamar-se Januário e que estava ali para me ajudar. Pegou em minha mão e me conduziu para uma espécie de praça, cercada por todos os lados. Os sinos haviam parado como que por encanto. Sem que eu percebesse, Januário desapareceu e me senti só, completamente só.
O que eu pensara ser uma praça era, na verdade, um bosque de relva verde escura, com muitas árvores simétricas.
Naquela horrível solidão, comecei a sentir uma sensação de arrependimento, de coisas que fizera e outras que deixara de fazer. Não pensava na morte, nem na vida eterna. Para mim, tudo aquilo não passava de uma ilusão, de um pesadelo, de uma péssima “viagem”!
Só uma coisa era constante em meu íntimo: a imensa ânsia de voltar para a casa de meus pais. Mesmo Marques aparecia diluído, como uma simples recordação.
Eu nunca tivera religião nem qualquer sentimento religioso. Só pensava em voltar e enfrentar as minhas dificuldades, e ficar à mercê do meu destino.
Saí do meu transe com o som de uma voz que parecia sair do ar, e me envolvia por todos os lados. A voz era firme e máscula, mas tinha, também, um tom melodioso. Dizia ela:
- Preparem-se para voltar para a Terra. Cuidem de controlar suas vibrações, pois não foi normal o que lhes aconteceu. Neste momento, vocês se acham na Mansão dos Toxicômanos! Essa passagem que vocês fizeram iria ser feita, somente, daqui a alguns anos, talvez vinte ou trinta anos. É por isso que vocês não são espíritos normais, porque desencarnaram antes do tempo. Mesmo assim, vocês não são considerados suicidas, não. São apenas espíritos que desencarnaram antes do tempo previsto. É por isso, também, essa atração irresistível pela Terra, por seus ambientes costumeiros. E para a Terra vocês terão que ir. Preparem-se para viajar para a Terra!
Senti certo alívio quando percebi que ele se dirigia a outros além de mim. Notei que ele nos chamara de espíritos. Sem dúvida, deveria haver outros iguais a mim!
A partir de então, perdi a noção de tempo e de espaço. Meus estados variavam, alternando-se entre angústia, saudade, esperança e desespero. Não conseguia ver ninguém, embora a voz continuasse a falar. As palavras eram sempre diferentes, mas o sentido era o mesmo.
Subitamente, percebi que havia mudado de ambiente. Sem saber como, eu me movera!
O lugar onde me achava agora, era uma grande plataforma, uma espécie de rodoviária, cheia de luzes opacas, de um lilás que variava em tonalidades. Às vezes, as luzes chegavam a parecer roxas, outras quase brancas.
Encontrei novamente Januário e me senti mais segura.
Como fizera na primeira vez que nos encontramos, ele tomou minha mão e me encaminhou para um edifício enorme, onde se achavam muitas pessoas em atitude de espera. Suas roupas eram mais ou menos parecidas e, para meu espanto, vi que estava vestida de noiva, com buquê e grinalda, do jeitinho que casara!
Nisso, ouvi soluços bem perto de mim. Olhei em torno, mas não vi ninguém chorando. Olhei interrogativamente para Januário, e ele deu a entender que também estava ouvindo.
- É sua mãe que chora, com saudade de você! – disse ele.
- Minha mãe? E onde ela está que não a vejo?
- Você não a vê, nem pode entender, como não entendeu os belos sermões que têm sido feitos até agora.
- Sermões? Não, não tenho ouvido coisa alguma!
- Você não ouve porque suas células nervosas foram danificadas pelas drogas que ingeriu. Também as pílulas anticoncepcionais produziram danos no seu sistema nervoso.
- Meu Deus! – disse eu – E agora, o que faço?
- Não se preocupe, minha filha, logo você terá a oportunidade de acertar os seus reajustes. Para isso, você será muito ajudada pelo amor que tem pela sua alma gêmea.
Amor, alma gêmea, aquela rodoviária, o romano Januário... tudo era tão diferente do que eu sabia, conhecia...
No momento seguinte, tudo aquilo havia desaparecido, e me vi numa praia que me era familiar. Vi que Januário continuava ao meu lado, e sua presença me dava uma sensação de irrealidade. Mas a praia era bem real, e eu comecei a olhar ao meu redor, como nos velhos tempos em que a freqüentara.
Minha atenção foi despertada por um casal que discutia, em altas vozes. Olhei para Januário, e ele me disse:
- Vá, e procure apartar essa briga. Tente ajudar esse casal e é possível que isso vá ajudá-la.
Eu me aproximei do casal briguento no justo momento em que o homem dava violenta bofetada na mulher. Ela caiu para trás, e eu tentei segurá-la. Entretanto, ela atravessou o meu corpo como se eu não existisse, e fiquei ali, abobalhada, olhando a mulher caída, sem saber o que fazer.
Comecei a sentir grande sensação de culpa, como se eu fosse uma criminosa e a agressora. O homem que agredira estava com a respiração ofegante e tinha os olhos injetados. Uma pequena multidão se formou em torno de nós, e fiquei apavorada. Queria apelar pela ajuda de Januário, mas ele havia desaparecido.
O incidente, porém, tornou-me sóbria e, com isso, comecei a me conscientizar da minha verdadeira situação. Não conseguia, porém, firmar minha cabeça, e os pensamentos rodopiavam. Lembrei-me de Lucas, com quem estivera muitas vezes naquela praia, e saí perambulando conforme os caprichos de minha mente atribulada. Logo percebi que estava fazendo o que sempre fizera em minhas horas de angústia: estava indo para junto de meus pais!
Senti, então, certa lucidez, uma certeza no coração. Sim, estava voltando para a casa que sempre me acolheu, apesar dos meus desatinos. Só meus pais tinham paciência comigo. Não sei como consegui me apressar, e, em pouco tempo, estava em casa.
A primeira coisa que ouvi foram as palavras de minha mãe, que dizia:
- Foi melhor assim! Minha filha não podia ser feliz. Ela nunca deixou de tomar aquelas drogas terríveis!
Gritei, então, com todas as minhas forças:
- Oh, minha mãezinha! Estou aqui, não vou sair mais, não vou mais tomar drogas!...
Mas foi em vão. Ela não conseguia me ouvir.
Permaneci ali durante três longos anos. Acompanhava meus pais a todos os lugares onde iam, sentava-me à mesa com eles, entrava nas conduções e ficava magoada quando não sobrava um lugar para mim.
Às vezes, em seus transportes enquanto dormiam, meus pais baixavam até o meu plano e, embora com certa dificuldade, podíamos conversar. Foi assim que soube que Marques havia se casado e que estava muito feliz. Apesar dos meus sentimentos confusos, sofri com isso.
Eu vivia envolta numa atmosfera lilás e, muito diferente deles, não percebia e nem entendia muito bem o que se passava. O importante é que estava em casa, e isso era tudo o que eu queria.
Um dia, eles decidiram tirar umas férias e viajar até Brasília. Como de costume, eu os acompanhei. Graças ao trabalho de Januário e de outros Mentores, eles resolveram conhecer o Vale do Amanhecer, e eu vim junto!
Embora vendo e sentindo tudo nebulosamente, conseguia perceber o que se passava no Templo. Vi aquela multidão, e não sabia distinguir bem quem era desencarnado ou não.
Meus pais esperaram por muito tempo mas, por fim, chegaram diante da senhora, Tia Neiva. A senhora explicou a eles o que se passava comigo e, enquanto conversava com eles, falava também comigo. Nunca pude esquecer a doçura de seus olhos e o grande desejo de me redimir que invadiu meu coração.
A entrevista chegou ao fim, e ouvi quando a senhora tocou uma campainha e um jovem, chamado Batista, atendeu. A senhora pediu que ele fizesse um trabalho especial para meus pais, e ele os levou a um trabalho desobsessivo – os tronos, dos Pretos Velhos. A senhora fez um sinal para mim, e eu os acompanhei. Enquanto meu pai esperava, minha mãe sentou-se num daqueles tronos. Não sei se ouvi alguém do meu plano dizer, mas o fato é que fiquei sabendo que o nome dos médiuns eram Waldeck, o Doutrinador, e Flaurizia, a Apará.
Senti-me atraída pela Doutrina que estava sendo feita, e uma sensação diferente invadiu todo o meu ser. Senti que flutuava, e vi que estava sendo carregada numa espécie de lençol alvo, que mais parecia um colchão de nuvens. As últimas palavras que ouvi foram as de Waldeck, fazendo a minha entrega aos Mentores.
Senti que me desintegrava num plano e me reintegrava em outro. Passara pelo portal de desintegração, e já estava em outro plano! Despertei num mundo diferente, iluminado por luzes opacas e de cores variáveis.
Fui, então, levada para uma espécie de sonoterapia de desassimilação, um sono reparador do qual despertei sem qualquer noção de sua duração. Ao meu lado, com sua roupa romana antiga, estava Januário. Ele sorriu, e a primeira coisa que fez foi me convidar para visitar os meus pais no plano físico da Terra.
Encontrei-os vivendo felizes, e, embora um pouco tristes, a memória da filha desencarnada já não era tão penosa. Eles, agora, sabiam da verdade, certos de que eu estava em boas mãos. A visita ao Vale do Amanhecer modificara sua sintonia e sua maneira de ver a vida. Agora, Tia Neiva, eu voltei aqui, porque, brevemente, vou estar em condições de ajudar os jovens que sofrem os desatinos que eu sofri. Quero ajudar os meus companheiros de desdita. Farei tudo para que eles possam, também, encontrar suas almas gêmeas e aprendam a amar.
Peço, Tia, que transmita aos seus médiuns que devem aprender a perdoar seus filhos e a serem pacientes com eles, como fizeram os meus pais comigo. Se não fosse o amor e a tolerância deles, eu não estaria aqui, agora. É preciso que seus filhos nunca sintam medo! Se eu não tivesse tido certeza do perdão dos meus pais, nunca teria voltado para casa. Teria sido vítima dos bandidos do espaço ou, talvez, tivesse me tornado obsessora dos meus antigos companheiros.
Salve Deus, Tia! Recomende aos seus médiuns para que contem a minha estória para todos que puderem. Agradeça aos dois médiuns que me atenderam com tanta generosidade.
Salve Deus!
- F I M -
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